IN-EDIT BRASIL 2025: Hardcore 90
Mais uma prova de que o hardcore nunca vai morrer, mas todos nós iremos! Registremos enquanto é tempo.
Numa vibe totalmente “Mate-me Por Favor” (aquele livro de entrevistas do Larry McNeil e Gilliam McCain, que ficou famoso na versão pocket aqui no Brasil). O documentário dirigido por Marcelo Fonseca e George Ferreira (mas que contou com o trabalho de uma galera) é feito a partir de registros de várias entrevistas (mais de 100 pessoas e já soube que algumas entrevistas foram até repetidas) feitas entre 2008 e 2018, com membros e atores de cultura que formaram a cena hardcore na cidade de São Paulo durante os anos 1990.
“Hardcore 90” teve a árdua missão de retratar um período extremamente confuso e também frutífero do Brasil. Na maior cidade da América Latina e recém-saído de uma ditadura, jovens inquietos e comunicativos, tentavam se achar através de um ritmo rápido, barulhento e cheio de energia. A narrativa começa com depoimentos falando da segregação que existia nos anos 1980, quando São Paulo já tinha várias bandas punks interessantes como a Ratos de Porão, Cólera, Lobotomia e outros, mas não existia uma cena (enquanto cidade unida). Pelo contrário, os punks eram meio que divididos em gangues e rolava muita treta quando se encontravam pela cidade.
O movimento de zinismo dá o tom da mudança O zine já existia há anos, mas na década de 1990 se desenvolveu uma troca frenética pelo correio de ideias, fitas demos, camisetas, divulgação de shows e muitas outras ações políticas. As reuniões de grupos politizados em espaços específicos, bem como a reunião para outros roles começaram a se aglutinar em torno de uma sonoridade mais rápida que o punk e com ideias mais abertas e até politicas.
Difícil citar todas as participações e falas, mas de maneira geral me parece que o foco ficou em atores importantes na catalisação deste movimento, mas que não necessariamente foram de bandas que tiveram alguma fama nacional (pelo menos para fora da cena). Obvio que quem escuta hardcore, conhece nomes e bandas como No Violence, Personal Choice, ROT, entre outros, mas não dá pra dizer que foram ou são bandas duradouras e com um público abrangente.
Na real, os dois nomes mais famosos que dão depoimento durante o filme todo são Kiko Dinucci (que pra quem conhece o sambista, saiba que ele é um punk infiltrado na MPB) e Daniel Ganjaman, hoje em dia produtor de renome e ligado bem mais ao hip hop pelo público nacional. Na música pesada mesmo, a figura mais famosa deve ser o Juninho Sangiorgio (hoje em dia baixista do Ratos de Porão).
Gosto das falas de Pedro Carvalho (hoje em dia da ótima banda Futuro), que fez parte do zine Juventude e Liberdade (JULI), falando dessa conexão politica entre a cena e o hardcore. Pedro também tenta trazer aquela parte técnica e história de onde vem o estilo, relembra da primeira passagem da Fugazi pelo Brasil (em 1994) como impulsionadora da cena, além de falar de termos como Straight edge, entre outros.
Os famigerados jovens com X na mão são um caso a parte no doc, odiados por uns, entendidos por outros, treteiros e também conscientes e quase sempre CHATOS (era igual em Recife rs). Gostei muito de ver como funcionaram os primórdios da VERDURADA, evento que se espalhou pelo Brasil, misturando hardcore, veganismo e politica na medida (fui em alguns).
Um ponto interessante de um estilo jovem como é o hardcore, que reúne muitos jovens e adolescentes cheios de hormônios, é que as vezes as coisas descambavam pra confusão, mas também tinha muito zoeira e alguns entrevistados deixam isso claro ao longo do filme. O pessoal também deixa claro a velocidade com que surgiam e sumiam casas, bandas e movimentos na cena, coisa comum e que aconteceu no mundo todo. Aqueles 2 anos intensos que valem por 10, etc.
A presença feminina no rolê, tentando quebrar barreiras de uma cena majoritariamente formada por homens e machistas (se não na prática, na estrutura), se dá em boas falas de membros de bandas da cena, mas não lembro de nenhuma fala de membros da Dominatrix, maior banda hardcore feminina do país. Acho que faltaram falas de nomes mais populares na cena, pro exemplo Nenê Altro, que é citado como um dos principais aglutinadores do zine JULI, mas que não aparece dando depoimento. Lembro também que o Gritando HC foi uma banda muito importante nesse período em São Paulo e passam meio que despercebidos no doc.
Também acho que poderiam ter tentado descentralizar mais falando com membros de bandas de outros estados, falam com membros de bandas de fora, mas sem contexto. Porém entendo o foco em São Paulo e na cena de lá, ainda mais pela característica DIY que permeia todo o documentário. Ao fim, um baita registro de um tempo cada vez mais distante e que também parece cada vez mais difícil de se repetir. Inclusive, um movimento que aconteceu e se espalhou por todo o Brasil, digo isso como alguém que acompanhou de perto a cena de parte do Nordeste no final dos anos 1990 e início dos anos 2000.
O filme está na programação presencial do Festival In-Edit em São Paulo (Confira os dias aqui) e também na edição online do festival podendo ser assistido gratuitamente no site do SESC Digital.
Roteiro: George Ferreira, Mario Cezar Rabello e Marcelo Fonseca
Câmera: Fernando Alves, Renato Alves, Marcelo Fonseca, Mario Cezar Rabello, Felipe Madureira, Ana Paula Câmara, Davi Agathocles, Fred Rahal Mauro, André “Totórs” Bonifácio e Rick Pellario
Montagem: Mario Cezar Rabello
Som direto: Marcelo Fonseca, Davi Agathocles, Renato Alves, Ana Paula Câmara e Fred Rahal Mauro
Desenho de Som: Mario Cezar Rabello
Produção: Black Embers, África Brasil Discos e MCRO Produções
Produção Executiva: Marcelo Fonseca, George Ferreira e Mario Cezar Rabello
Pesquisa: Marcelo Fonseca, George Ferreira e Mario Cezar Rabello